
Desde moleque um grande mistério me intriga profundamente: os cupinzeiros em pastagens. Sabe aquele campo aberto cheio de pequenas montanhas de terra? Na minha infância, quando avistava um desses pastos, imaginava aquele microcosmo como pequenos continentes, conjeturando como seria a organização dos cupins. Será que falavam a mesma língua? Tinham um parlamento? Será que a sua classe média gostava de viajar até os outros cupinzeiros para conhecer outras culturas? Tiravam fotos para mostrar para os seus parentes na volta?
Uma vez, numa viagem que estávamos fazendo em família, onde tiraríamos muitas fotos para mostrar para os parentes na volta, quando passamos por um enorme campo cheio de cupinzeiros, cometi o equívoco de transformar essa divagação em pergunta. Meus irmãos já eram adolescentes e riram da minha cara sem o menor pudor! Já os meus pais sequer perceberam o exercício de metalinguagem que a pergunta proporcionou e se limitaram a dizer que cupim é bicho! E bicho não tem essas coisas.
Há poucos dias vi um vídeo desses de redes sociais em que um influencer cita algumas conversas entre adultos, nesse tom imaginativo, mostrando a diferença entre os diálogos em que o interlocutor responde à altura e os outros que morrem na lógica, como muitos adultos fazem. Ele diz que as pessoas que entram na brincadeira entenderam o brilho da humanidade. Não sei se você, raro leitor, tem o prazer de conversar com esse tipo de gente. Eu tenho e vou além, tento sempre fazer o contrário do que meus pais fizeram comigo, afinal se levar a sério o tempo todo nem deve fazer bem ao coração!
Às vezes perco o bonde por distração, mas o segredo é a prática. Outro dia, numa conversa pelo whatsapp, falei que tinha comprado um bolo e que ia comer com iogurte. A pessoa me questionou se não ficava ruim misturar os dois e prontamente afirmei que não, que o segredo era colocar o iogurte por baixo do bolo, como deve ser o feijão em relação ao arroz… E a conversa foi embora por um longo período! Antes que surja a dúvida, a pergunta não foi literal, ainda mais vindo de quem veio! O humor sagaz, que todo usuário do Orkut adorava dizer que tinha, deveria ser ensinado nas escolas… No ensino básico!
As crianças geralmente são mestres nessa arte. O grande cronista Mario Prata (pai do Antonio) escreveu sobre isso e virou um clássico. Numa de suas crônicas, conta que um garoto pergunta ao pai o que era “sufechar”. Ele diz ao filho que aquela palavra não existe e pergunta de onde tinha tirado; o menino então responde que foi na música: “são as águas do mar ‘sufechando’ o verão”…
A Flávia, minha digníssima companheira, por um período fez um trabalho com crianças de até sete anos. Durante as ações havia um momento em que eles faziam uma atividade física junto com os adultos e, num deles, um garotinho alertou ao vê-la transpirando: “tia você está chovendo”! E ela respondeu sorrindo: “sim, estou uma tempestade”!
Mas se isso é tão espontâneo na nossa infância, por que é tão difícil (para alguns) continuar olhando o mundo por esta perspectiva?
Arrisco dizer que é pela péssima relação que desenvolvemos com o “sentir-se vulnerável”. Uma das grandes estudiosas do assunto, a pesquisadora e escritora Brené Brown, afirma que a forma como lidamos com a vulnerabilidade determina nossos momentos de alegria, medo, tristeza, vergonha, decepção, amor, aceitação, gratidão e criatividade. Pouco depois dos seis/sete anos, nossa espontaneidade é cerceada pelo medo da humilhação… Lembra quando você sabia a resposta que a professora perguntou na sala, mas não falou por medo de errar e virar piada para os outros alunos? Pois então, é aí que nasce o adulto que precisa de respostas e lógica para tudo. Aquele que leva tudo a sério!
O ator e poeta Michel Melamed foi responsável por projetos super originais na TV brasileira que instigavam não só os convidados de seus programas, mas também o público. Lembro de episódios divertidíssimos do saudoso Bipolar Show em que a todo momento a lógica era desafiada. Quando entramos nessa dimensão lúdica, abrimos um universo de possibilidades. Temos outra ideia de tempo/espaço e da relação de prazer com aquilo que estamos fazendo.
Há algumas semanas estava a caminho de um compromisso do trabalho, num carro com outros adultos que também participariam da atividade comigo. Ao passar por um pasto cheio de cupins, lancei a história da minha infância sem dizer que era algo que pensava quando criança, falei como se tivesse pensado naquele exato momento. Todos riram, se entreolharam e rapidamente um deles começou a explicar que os cupins são pragas para as pastagens, só faltou pegar uma fita métrica para comprovar que, quanto maior fosse o terreno, pior seria. Outro ocupante do carro direcionou-se a minha pessoa e deixou escapar: “só você mesmo para vir com uma dessas”!